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igualzinho? ninguém.



depois de três doses e um carnaval, da pra dizer que a vida fora de casa vai ganhando ritmo. ainda que cada um tenha a própria régua, a gente já tem encontros com amigos, viagem, casamentos, trabalho presencial e eventos desse mesmo trabalho, atividade física, drinks e dates.


lá em 2020 a gente falava de um ‘’’novo normal’’’ que tá aí na rua, sendo incorporado e vivido na medida da nossa disposição de interação e disponibilidade de recursos - especialmente tempo e dinheiro, mais escassos, confirmando as previsões.


o que não tinha mesmo como saber é quem a gente se tornou - atravessados pelo medo da morte, pelas relações desfeitas ou fortalecidas, pelos quilos acumulados ou perdidos, pelas perdas, pelas habilidades desenvolvidas, pela chegada ou crescimento de filhos, pelo desemprego, pelas novas rugas, cabelos brancos e óculos.


o que a gente gosta de comer depois de ter aprendido a fazer pão, se arriscado a cozinhar, ter virado hacker de ifood ou do nosso restaurante preferido ter fechado?


o que a gente quer vestir depois da bunda ganhar o formato da cadeira, de experimentar a facilidade de comprar online, de meses cabendo espaçadas em moletons, chinelos confortáveis e sem sutiã?


quem são as pessoas em quem a gente colou no online e agora vai encontrar? que leitura a gente intencionalmente quer dar pro chefe ou cliente que conheceu pela tela do zoom? que astral a gente quer entregar no próximo grande encontro dos primos? que gírias a gente incorporou na fala? quais figurinhas colecionou nesse intensivão online e agora distribui nas conversas?


ninguém ficou igualzinho. ninguém chegou nesse novo normal sem ser também um novo alguém. sinto por aqui e, se posso, quero sugerir que tanto quanto a gente vai testando essa retomada, possa ir também experimentando o >>> re-conhecimento <<< das próprias fronteiras: do espaço físico que quer ocupar e que cuidados esse corpo vai receber, do que quer quer sentir tocando a pele ou como fazer funcionar o guarda-roupa que parece de outra década, do tempo que vai dedicar ao trabalho e que trabalho é esse, de onde vai botar dinheiro e jesusamado (!) como fazer pra ganhar esse dinheiro - e até, igualmente importante, do tom de voz que vai precisar usar no almoço de família pra dizer que o centrão não existe.

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